quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

É como me sinto

António Variações / Quero é Viver


Vou viver
até quando eu não sei
que me importa o que serei
quero é viver

Amanhã, espero sempre um amanhã
e acredito que será
mais um prazer

e a vida é sempre uma curiosidade
que me desperta com a idade
interessa-me o que está para vir
a vida em mim é sempre uma certeza
que nasce da minha riqueza
do meu prazer em descobrir

encontrar, renovar, vou fugir ou repetir

vou viver,
até quando, eu não sei
que me importa o que serei
quero é viver
amanhã, espero sempre um amanhã
e acredito que será mais um prazer

a vida é sempre uma curiosidade
que me desperta com idade
interessa-me o que está para vir
a vida, em mim é sempre uma certeza
que nasce da minha riqueza
do meu prazer em descobrir

encontrar, renovar vou fugir ou repetir

vou viver
até quando eu não sei
que me importa o que serei
quero é viver,
amanhã, espero sempre um amanhã
e acredito que será mais um prazer

sábado, 29 de novembro de 2008

ja com a garrafa de havana

HAHAHAHHAHAAHHA
JA TENHO O HAVANA.
AGORA SIM
OU ELA OU EU
QUE A SORTE NOS DISTINGA

QUERO QUE SE FODA O FMI

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

EU QUERO DO FMI

Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...

A minha FMI

antes que feche o inter.
antes que me arrependa.
antes que me falte a coragem.
vou matar a puta da gripe com Havana

parte intima do FMI

Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, desopila o fígado, arreda, T'arrenego Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora

E muito bom quando cantamos a mesma canção




gostava de estar no congresso mas acho que o partido perdeu a minha morada

coisa antiga

Estavas sentada com o teu sorriso no colo

Amparado pelas pernas frágeis

Pelas tuas ancas finas

O teu sorriso maroto de criança

Enchia-me de desejo, levava-me o olhar

Depois deitas-te na cama

Como quem entra no cocpit de um avião

Com as certezas de mulher

Agarras-me nos braços finos

E a minha boca morde o teu sexo aberto de desejo

Depois…

Depois o meu olhar ficou no teu

Paramos num abraço apertado

Num respiro cúmplice de prazer

As CRIADAS

Valeu a pena

Hoje acabo com ela...

Ha ums semana que estou em casa com gripe.
Ha uma semana que me porto bem e tomo os comprimidos a tempos e horas.
Como as melhoras demoram em chegar...
Vou tratar do assunto como gosto, em duelo
Hoje, ou ela ou eu.
Vou comprar uma garrafa de Havana, cinco anos, e mato esta puta desta gripe, ou ela a mim.

MEDOS

Tenho medo da noite... os dias são cada vez mais pequenos

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

AS CRIADAS, dias 12, 13 e 14 no Pax Julia

AS CRIADAS

Ai que dor de cabeça.
Faltam 9 dias para a estreia.
É nestas alturas que me apetece desaparecer, fugir, correr para outra profissão.
Quem me manda a mim...

domingo, 14 de setembro de 2008

DIA BOM

Esta um dia bonito.
Muito sol e o vento fugiu para outras latitudes.
Também eu queria fugir, mas tenho receio de me encontrar com o vento.
Mas hoje estou particularmente bem, calmo e tranquilo.
Tomei ontem uma decisão que tinha adiado há muito.
Sinto a leveza da missão cumprida, agora saboreio o silêncio da solidão.
Espero um tempo novo, fresco, arrebatador.

domingo, 27 de julho de 2008

mudança de atitude

Mudança de estratégia, repentina e drástica.
Nada melhor que fingir.
Mudar de AM para FM ainda que para os outros.
O primeiro passo e mudar o léxico, nada de: isto é uma merda, ou estou triste, ou pior gostava de ter alguém interessado em partilhar esta fase má.
Nada disso, pelo menos ate decidir ir para a cama, porque depois no segredo dos lençóis não consigo mentir-me. Por isso neste intervalo, vai passar a ser assim, ya tou na boa, o dia foi muito fixe, ok esta combinado vamos beber uns copos que a vida não esta para preocupações ou ainda és um tipo ou uma tipa muito fixe, sempre que preciso de falar sobre nada estas sempre aqui.
Vamos ver no que dá

É assim que me sinto

As folhas que voam com o vento
Os campos floridos do girassol
O por do sol quente
A lua fresca das manhãs de verão
São drogas ásperas para os teus olhos
São apêndices do teu desejo
São virgulas, pequenas pausas da tua vontade
Queres fechar os olhos
E abrir o corpo
Aos corpos despojados que se alimentam dos teus restos

dia mau

Hoje é um dia triste, acordei com vontade de cortar com um passado também triste. Há alturas na vida em que são necessárias rupturas, drásticas.
Depois de 2 cafés e alguns cigarros, la tentei relacionar-me com alguém, mas como me dizia o Paulo a pouco, as pessoas nem sempre estão sintonizadas na mesma frequência, e eu devia estar em AM porque do outro lado surgiam vozes de Marrocos ou da Argélia.
Os últimos dias tem sido duros, frios. O caos instalou-se, talvez por uma vontade pessoal, mas tem sido difícil de digerir. Como sempre depois da dor, virá a alegria de estar com gente. Possivelmente em FM.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

amanhã Uivo do Coiote na SPA

Neste quarto quente, frio de angustia, de ansiedade, tento desesperadamente roubar um texto para a minha cabeça. É sempre assim.
Amanha vou apresentar um espectáculo que gosto muito.
Estou novamente na cidade do meu conforto, Lisboa.
Já revisitei as minhas putas do Martin Moniz, já caminhei pelo bairro que é alto e avista o Tejo.
Ando pelas ruas onde me encontro, pelos ruídos dos carros das pessoas em silencio que não é o meu. Vibro no encontro desencontrado dos corpos.
Hoje é uma passagem, amanhã uma estadia.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

estavas só

Estavas só
No encontro do teu corpo com os ramos secos
Das amendoeiras viçosas
No caminhar pelas terras húmidas dos desertos
No desejo de ver o mar calmo das tuas incertezas
Caminhas-te e o teu corpo ficou preso nos galhos pequenos
Que coloriam as estradas

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

resposta feita pergunta

Estou sozinho,
A ouvir o silencio da relva
A tropeçar nos nos ramos secos da ausência
A terra sussurra-me um tango dum porto esquecido
Os ramos secos das arvores que floriram noutros tempos
Acariciam-me do forte vento que passa pelo meu corpo nu
Hoje estou sozinho
E o lume esta por acender com os ramos da nossa esperança
Com os dedos apagados dum desejo ausente num dia …
Quando estava à espera que tu não viesses

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

foda-se

Foda-se quero estar só.
A torre do castelo é um corpo ausente enlaçado no meu
Agarra-me nestas noites em que estou só
Nestes momentos finos de encontro
Nestas leves ausências do teu corpo
As tuas pedras são beijos contados ao por do sol
São desesperos contidos por entre os voos dos corvos
São enzimas sufocantes dos teus abraços

saudades de lisboa entre dentes

Esta quase a terminar a sexta feira.
Merda de dia.
Nesta cidade e tudo tão igual.
Nesta cidade é tudo tão previsível.
Nesta cidade beber copos e sempre nos mesmos sítios.
Nesta cidade sofrer, é sempre no mesmo quarto.

Quero as minhas putas do Martin Moniz
Quero os agarrados do intendente
Quero as narças do bairro alto
Quero as putas e os bares do cais do sodré
Quero a vizinha da mouraria que me tratava por vizinho
Quero os metros os eléctricos os passos as corridas o andar louco por entre as ruas sujas

Eroscopio em Beja

14 de Fevereiro às 21.30 horas
Auditório do Pax Julia Teatro Municipal
Entrada: 3 euros
Convidados Especiais:
Manuel Rocha (Brigada Victor Jara)
Eroscópio é um projecto que surgiu em Beja em 2004 como resultado de uma cumplicidade artística entre o músico Paulo Ribeiro (ex. Anonimato) e o actor/performance António Revez, aos quais se juntaram posteriormente Marco Cesário (Zedisaniolight), Nuno Figueiredo (Virgem Suta), César Silveira (Virgem Suta) e Manuel Nobre (ex. Anonimato).

Com música de Paulo Ribeiro e arranjos de todos os elementos da formação, este projecto alimenta-se essencialmente das palavras de diversos autores, interpretadas por António Revez.

Jorge de Sena, Natália Correia, Al Berto, Nuno Júdice, José Luís Peixoto e Manuel Alegre, entre muitos outros, fazem parte do roteiro arty do Eroscópio, onde o amor e o erotismo convergem para a elaboração de um universo poético de alma portuguesa.

Refira-se ainda que os Eroscópio gravaram dois temas para a compilação Phono 05, editada pela Fonoteca Municipal de Lisboa: “Casamento de Conveniência” e “Figura velada na cave”, poemas de Rui Knopli e Nuno Júdice, respectivamente.
Concepção António Revez / Paulo Ribeiro Poemas de Eugénio de Andrade, Al Berto, Natália Correia, Manuel Alegre, José Luís Peixoto, Fernando Pinto do Amaral, António Gancho, João Rui de Sousa, José Manuel Carreira Marques, Nuno Júdice, Jorge de Sena, Rui Knopli Música Paulo Ribeiro Interpretação/Voz António Revez Guitarra Acústica Paulo Ribeiro Baixo Manuel Nobre Guitarra Eléctrica / Metalofone Nuno Figueiredo Piano / Teclados César Silveira Bateria Marco Cesário Desenho de Luz António Revez e Ivan Castro Co-produção Lendias d’Encantar e Câmara Municipal de Beja

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

hino a vida

CANTIGA DO TEMPO NOVO

Deixei de olhar para quem fui
Do passado estou ausente
Às vezes mais vale a pena
Rir de tudo o que faz pena
Na alma triste da gente


Vou lançar mãos à aventura
Correr noutra direcção
Quanto mais nos lamentamos
Ainda mais presos ficamos
E nos dói o coração


A nossa vida é um mar
Com muitas marés e vagas
Não temos nada a perder
O melhor mesmo é viver
Combatendo as nossas mágoas


Tenho o mundo à minha espera
Há ilhas por descobrir
E há uma vontade nova
Um vento que se renova
Novo amor que vai surgir
Paulo Ribeiro

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Segunda que devia ser Domingo

Com o tempo perdi o sentido da palavra amor. Hoje sou um corpo. Despido pelos corpos que se cobrem pelo meu. Nada em mim é fresco. Sou o abutre que se sacia com o corpo do outro. Qualquer. Já não desespero pela espera tardia. Não lavo os dentes antes de deitar. Não acordo com a leveza dos quinze anos. Sou um velho castigado pelo adormecimento. Nada em mim e fresco. As tardes são passadas ao sol que tarda em chegar. Gostava de correr kilometros para te encontrar, de acordar de madrugada com o teu sorriso, de voar para os teus ombros, de partir os braços com o aperto do desejo, de cair aos joelhos da minha sombra fresca.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

PEQUENO TEXTO DO ESPECTACULO "O UIVO DO COIOTE"

Onde estarão agora os que já foram meninos comigo, meus companheiros de bibe-e-calção? Gostava de ir lá vê-los à nossa infância, de irmos todos, reconhecermos como nossa ainda a pureza antiga, os projectos que enterrámos, as ilusões, os actos falhados. E, com efeito, o mundo dos nossos adultos está cada vez mais triste, mais crápula, mais ratazana. É uma bicharada que vai a correr pró buraco do coval, comprometida e lassa, sem alegria, sem carácter, sem sentimentos, sem dignidade nenhuma. Não são gente: são baratas medrosas, assustadas sempre, que andam de luto por eles- mesmos e se escondem quando pressentem uma luz, a ousadia de um gesto, a virtude duma palavra. Adultos, cadáveres de jovens. Metem dó, metem nojo, tão velhinhos e tão resignados. Cagarolas. Gostaria de os tornar a ver como eram, na infância mas...

FOTO DO ESPECTACULO "COIOTE"

Texto do pregrama de mão do espectaculo COIOTE 2002

É muito gratificante para um actor escolher um texto para representar. Numa altura em que acredito em muito pouco, ou quase nada, (para ser sincero) sou um privilegiado em poder fazer, um espectáculo com textos do Pacheco, fui eu que os escolhi, agrupei, arranjei, destruí. Entrevistei o Luiz Pacheco durante 6 horas inesquecíveis, saborosas, reconfortantes, vitalícias, para esclarecer dúvidas sobre os textos que tinha seleccionado.
A opção de fazer um espectáculo ético, prende-se com a desilusão, amargura, solidão e raiva com que hoje encaro a minha, nossa vida. Pretendo com este espectáculo pensar-me, pensar-vos, mas sem grande esperança: a esperança é a primeira a morrer.
Não tenho muito mais para vos dizer, mas gostava de vos dar um conselho: se ainda não entraram na sala, vão para casa. Se já entraram é tarde de mais “amigos”.
António Revez

domingo, 6 de janeiro de 2008

Foto do espectáculo COMUNIDADE

Texto do programa de mão do espectáculo COMUNIDADE com texto do Pacheco

Encontro-me sempre com o Luiz Pacheco, em fases cruciais da minha vida. Aconteceu assim há quatro anos, acontece agora. Por mera coincidência sempre que trabalho um texto do Luiz Pacheco, estou numa encruzilhada difícil de resolver.
Esta não vai ser a ultima vez em que o meu percurso pessoal e artístico esbarra neste escritor, espero. Estou de saída (só o tempo dirá se há regresso), para outras vidas, para outra cidade, na busca desenfreada de outros sofrimentos e de outras desilusões. É a vida. E eu gosto.
A”comunidade” é um desejo antigo (felicidade de quem ainda os pode realizar), talvez propositadamente sem premeditação.
Haverá sempre um desejo de retorno a um dos maiores e mais injustiçados escritores portugueses contemporâneos.
“e fugi dos frustrados e falhados que é a malta mais castradora que existe… cagarolas… comprometidos e laços ”.

Também eu estou em fuga.

Foda-se... Morreu o grande LUIZ PACHECO

Lembras-te Fátima? era o que eu sempre te dizia, não somos nada nas mãos do acaso, e não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim? se nem tu já te lembras de mim agora, tu, a quem tanto amei, não te lembras, e foi há tão pouco, foi ontem, parece, que te levantaste e disseste: «Ficamos amigos como dantes»...
E dizias: como dantes e era já noutro que pensavas, olhavas-me e nos teus olhos ria-se a traição, o prazer da liberdade, um desafio alegre, uma alegria provocante e desapiedada, ias a meu lado pela última vez e eu era já um estranho para ti, um fantasma a quem se concede, por caridade, uns momentos mais de companhia, algumas palavras vagas distraídas, um pouco de estima, talvez.
Reparei: o teu corpo, oh corpo do meu prazer! oh carne virgem sangrando debaixo de mim! oh meu repouso e minha febre! o teu corpo outrora tão cativo e tão submisso, ficara de repente cerimonioso e esquivo, cauteloso, afastado, com um pudor forçado no puxares a saia sobre os joelhos, como se tivesse uma grande vergonha do despudor com que se dera antes...
Dizias: como dantes e não era já nisso que pensavas, e não era já para mim que falavas, eu era uma coisa para esquecer, para deitar fora, uma coisa que se abandona caída no chão e se perde sem pena.
Dizias: «adeus» e saías da minha vida com um aperto de mão desembaraçado, quase cordial um gesto de boa camarada, como se nada tivesse havido antes, como se não tivéssemos sido tantas vezes na cama, um dentro do outro, um no outro, um-outro diferente, uma coisa sublime: Deus Criador, como os míseros humanos só ali o podem sentir e saber; um Outro que éramos nós ainda, mas tão transtornados, tão virados para fora de nós, tão esquecidos do mundo e de nós, tão eficazes, tão leais, nós boca com boca, corpo a corpo, um sexo torturando um sexo, mordendo-se devorando-se, numa febre de chegar ao fim depressa, ao esquecimento, ao repouso.
Disseste: adeus e eu odiei-te logo nesse minuto, como te odeio agora, não por ti ou pelo teu corpo que já me esqueceu noutros que vieram depois, mas porque morri ali naquela palavra, -morri entendes? -, perdi-me numa grande confusão, esqueci-me de ser eu, fiquei roubado do meu passado.
Hoje, encontrarias um outro homem; havia de rir-me do teu corpo, da sua entrega ou das suas traições, de tu me dizeres: «Vem» ou «Adeus...», ou «Não quero...».
Hoje, saberias quem fizeste com uma só palavra, conhecerias um outro homem, que é obra tua, minha segunda mãe!
Hoje, havia de rir ou chorar, era a máscara do momento; mas diria: tanto faz..., tanto me faz... Sabia-o!